Enquanto
revezávamos as goladas entre a garrafa de vinho e alguma lata de cerveja,
tragávamos a bendita da saudade e ouvíamos a discografia de Legião.
Ficamos
sentindo o vento balançar nossos cabelos e os pelinhos do corpo se arrepiando
de cinco em cinco minutos, mas nos recusamos a ir embora.
- Pronta agora? – Perguntei, encorajando-a.
-
Estou. Eu acho. Sabe o que é mais engraçado? Na última vez que conversei com
ele, disse que recorreria a você, porque a insônia havia me pegado de jeito.
- Pois
é, eu sou chata o suficiente pra te dar sono.
- Não
é isso, ô! É que você me faz bem, sabe. Eu sei que tudo vai dar certo porque
você me transmite paz...
- Acho
que você já pode parar de beber, a fofice tá passando do limite.
Ela
riu, dando um soco leve no meu ombro esquerdo.
- O
que acontece agora é que eu preciso e quero tocar minha vida, porque o mundo
continua girando. Com ou sem ele. Já aprendi isso, só preciso fazer o meu mundo
girar. Só que eu sinto tanta falta dele... – Ela expirou fundo, limpando o ar
dos pulmões. – É como um usuário de drogas precisando manter o vício, embora
isso não pareça saudável.
- E
você acha que isso aqui é? – Dou uma baforada do cigarro no rosto dela, rindo,
já meio altinha, e a faço a olhar as latas de cerveja e os vidros de vinho
enterrados na areia.
-
Detalhe, acontece. – Ela diz, sorrindo.
- Pois
é, moça. Acontece. Não vale ficar se privando, você tem que se entregar ao que
sente, independente de que... Peraí, por que eu tô falando isso pra você? Logo
pra tu, a rainha do drama e profundidade...
Ela jogou o cabelo e deu um sorriso, mas eu sei que essa pinta de inquebrável pinta o corpo todo, mas não chega a deixar uma manchinha sequer na alma.
- Eu não se lidar com isso, ao mesmo tempo em que quero o corpo dele perto do meu, tenho medo de como isso tudo acabar. Quer dizer, tenho medo de acabar.
-
Torço muito pra vocês se entenderem ou acabarem de vez com a coisa toda.
Quantas voltas você já deu, mas acabou percebendo que supre o mesmo sentimento
por ele, senão maior?
- E eu
não sei? Parece karma...
-
Parece que vocês tem um laço, como aquela lenda chinesa que diz que as pessoas
nascem com um fiozinho preso no dedo mindinho, ligando um ao outro. O fio pode
se esticar, mas nunca quebra, não importa aonde vão, vocês sabem onde
pertencem.
- Eu
só quero acabar com isso, e ao mesmo tempo não quero.
- Você
precisa conversar com ele. Resolver isso de vez. Estou cansada de te ver assim.
- Eu
sei, eu tô tão confusa, eu vou resolver, te prometo, é que eu quero tanto
que...
Pare de doer.
Completei mentalmente, enquanto ela vomitou todo o álcool que consumimos o dia
todo. Me levantei, segurando seu cabelo
pra trás, e ela se ajoelhou na areia. Minutos depois, ela me olhou rindo,
enquanto eu limpava o rosto dela com minha camisa favorita.
- Acho
que preciso de um banho.
-
Ainda não, você precisa de água de coco.
Então,
ela me abraçou forte e disse, com a voz embargada:
- Vai
ficar tudo bem.
- Vai,
agora eu sei que vai.
(Continua...)